David Ron Sasson Publicado na Revista Profissão Mestre – Nov/2005
Freqüentemente temos enfatizado que as habilidades de mediação do professor estão entre os pré-requisitos mais essenciais para que qualquer processo de ensino-aprendizagem produza um efeito significativo. Além dos múltiplos fatores que podem afetar o resultado do processo de aprendizagem, tais como, as várias habilidades e competências que compõem o potencial de aprendizagem do aluno, os pré-requisitos específicos implicados no conteúdo a ser adquirido ou as condições que tornam o ambiente favorável à aprendizagem, nós temos insistido em sublinhar o importante papel do professor que se interpõe entre um conjunto de conteúdos ou um know-how e o aprendiz, com o objetivo de promover a aprendizagem. Estamos então falando do potencial de mediação do professor. (Sasson, 2001).
As habilidades que são vistas como a qualidade essencial do professor na sua interação com seus alunos na sala de aula são igualmente relevantes para o gestor da instituição educacional nas suas relações com seus colaboradores. Uma vez que certas qualidades do mediador envolvido numa interação de aprendizagem são consideradas indispensáveis, não podemos ignorar que estas mesmas qualidades definem também a natureza e a efetividade da interação de um gestor com sua equipe. Neste sentido, apesar de certas diferenças básicas que se derivam da proximidade relativa de idade, status e função, a relação gestor-colaborador não deveria ser vista como essencialmente diferente da relação professor-aluno, pelo menos em termos do seu valor de mediação potencial e particularmente quando ambas relações implicam um processo de orientação-aprendizagem.
Ainda que o professor tenha sido formalmente capacitado para ensinar, a lacuna natural que existe entre teoria e práxis e as incongruências inevitáveis encontradas na aplicação de uma abordagem educacional numa sala de aula real geram muitas dúvidas que precisam ser tratadas pelo gestor . O gestor , inicialmente percebido como uma fonte de orientação e de inspiração, deveria estar a altura das expectativas de seus colaboradores e servir como um farol que ilumina o caminho a seguir.
As qualidades essenciais subjacentes a uma interação de aprendizagem mediada foram perspicazmente conceptualizadas e formuladas por Feuerstein (1991, 17- 49) e formuladas como parâmetros da Experiência de Aprendizagem Mediada. Devido a sua natureza universal e a sua relevância para qualquer interação humana, elas deveriam ser discutidas e analisadas pelas suas implicações na relação gestor-colaborador no contexto da instituição educacional.
Os doze parâmetros da Experiência de Aprendizagem Mediada são abrangentes na sua natureza e englobam muitas qualidades essenciais da interação humana que acontece entre adultos e crianças, superiores e subordinados assim como entre pares.
Destes parâmetros iremos brevemente discutir os primeiros três, que são considerados determinantes universais e condições necessárias para qualquer interação de mediação e analisar algumas de suas implicações práticas no contexto da gestão educacional.
A intencionalidade, que leva o mediador a mediar certos estímulos intencionalmente escolhidos numa experiência de aprendizagem que é qualitativamente diferente da aprendizagem que ocorre por meio de uma experiência direta e freqüentemente casual, não requer apenas que o mediador tenha uma intenção consciente. Também requer que ele consiga encontrar canais acessíveis de comunicação que se revelem aceitáveis pelos mediados, por meio dos quais ele pode transmitir sua intenção e seus objetivos transcendentes. Compartilhando assim sua intenção, o mediador ajuda suscitar motivação e reciprocidade.
Grande parte da função do gestor educacional é freqüentemente percebida como função administrativa. O papel principal do gestor na escola é visto por muitos, incluindo desafortunadamente para um grande número de professores e algumas vezes pelos próprios gestores, como equivalente a administrar, organizar, dirigir e controlar. No melhor dos casos, é também percebido como um papel que inclui planejar, programar e supervisionar. Nós acreditamos firmemente que a essência da sua função deveria consistir em educar, capacitar, orientar e mediar. Ao invés de limitar-se principalmente a planejar programas de estudos, calendário das atividades escolares, supervisão da performance dos professores, o gestor eficiente deveria dedicar uma grande porção do seu tempo e esforço em interagir com sua equipe, dentro e fora de sala de aula, com a intenção de oferecer orientação, coaching e apoio, compartilhando meios didáticos eficazes e estratégias de mediação.
Para determinar até que ponto o gestor reflete intencionalidade e consegue suscitar reciprocidade na sua interação com seus colaboradores, deveríamos tentar identificar certos tipos de comportamentos, como por exemplo:
O gestor transmite explicitamente uma mensagem clara para seus colaboradores em relação a sua disponibilidade constante para lidar com qualquer dúvida ou problema pedagógico que possam encontrar?
Os professores estão conscientes da disponibilidade do gestor para lidar com questões pedagógicas e administrativas fazendo uso freqüente da sua disponibilidade?
O gestor propõe encontros com a sua equipe para discutir assuntos que vão além da administração e da disciplina, selecionando intencionalmente temas pedagógico-didáticos?
A equipe responde positivamente a estas iniciativas do gestor e estão intrinsecamente motivados a fazer parte destes encontros?
Para transcender a situação de aprendizagem numa abordagem mediada, o mediador precisa estar orientado para necessidades e objetivos que vão além da necessidade imediata que pode ter provocado a interação e deve, portanto, prover o mediado com os meios necessários para generalizar sua experiência de aprendizagem, de tal forma que seja capaz de aplicar os elementos aprendidos em outros contextos em circunstâncias futuras. Em outras palavras, uma interação que acaba no momento em que uma situação problema está resolvida ou um mediador que se contenta com a satisfação da necessidade imediata não pode refletir a qualidade de transcendência numa experiência de aprendizagem mediada significativa.
Além de seu efeito a longo prazo, e desde que supere a satisfação das necessidades básicas, a transcendência é também um meio para o desenvolvimento de um sistema amplo de necessidades, que é a sua vez indispensável para promover a adaptabilidade e um potencial de aprendizagem extenso, para suscitar uma motivação intrínseca e para adquirir habilidades metacognitivas.
Na sua interação com seus colaboradores, mesmo quando o propósito imediato é a solução de um problema prático, o gestor deveria, portanto, dirigir sua mediação para necessidades transcendentes e proporcionar à sua equipe insights que podem contribuir para a expansão do seu sistema de necessidade e seu crescimento pessoal, tornando-os pensadores autônomos e eficientes ‘solucionadores’ de problemas.
Uma orientação transcendente será considerada presente na interação do gestor com sua equipe se for possível identificar certos tipos de comportamento, como por exemplo:
O gestor prove sua equipe com critérios para distinguir os aspectos essenciais dos aspectos acessórios em várias questões didáticas e situações práticas de problema?
O gestor ajuda a sua equipe a formular regras generalizadas e princípios transcendentes como conclusão das discussões e debates sobre questões pedagógicas e educacionais?
O gestor auxilia seus professores a tomar consciência das possíveis fontes implícitas e dos motivos latentes subjacentes aos problemas práticos de conduta ou de disciplina?
A mediação de significado que consiste em imbuir os estímulos mediados com um significado e impregnar eventos e experiências de vida com valores que não derivam de seus atributos inerentes, leva a promoção dos componentes energéticos e motivacionais do funcionamento e performance do mediado.
Os significados e valores extrínsecos específicos, que são naturalmente escolhidos em conformidade com a determinada cultura dentro da qual a interação mediada acontece, são responsáveis pela transmissão cultural intergeracional que é alcançada por meio dos canais de comunicação estabelecidos na experiência de aprendizagem mediada.
Professores que manifestam falta de compromisso, motivação e prontidão para investir tempo e energia na causa da Educação e em benefício de seus alunos, freqüentemente argumentando baixa remuneração ou indisciplina, entre outras dificuldades, são muitas vezes o reflexo claro do insucesso de seus gestores em transmitir a eles a mediação de significado.
Indicadores da mediação de significado podem ser encontrados em certos tipos de atitudes do gestor na sua interação com sua equipe, como por exemplo:
O gestor atribui, por meio de seu feedback e sua avaliação, significado suficiente e associa valores socioculturais e apreciação apropriada ao êxito da sua equipe?
O gestor compartilha com seus colaboradores seus sentimentos e suas atitudes em relação aos vários aspectos das experiências compartilhadas, dentro e fora do contexto escolar?
O gestor estimula e encoraja seus professores a buscar o significado de suas atividades profissionais, questionando o valor e a utilidade de sua própria mediação a seus alunos?
Da mesma forma, outros parâmetros da aprendizagem mediada, como a mediação do sentimento de competência, a mediação da atitude de compartilhar, a mediação do desafio e a mediação do sentimento de pertença, deveriam ser discutidos e analisados, pois têm implicações igualmente importantes no que se refere às qualidades da relação do gestor com seus colaboradores.
Concluindo esta breve reflexão, gostaríamos de compartilhar com os gestores nossa convicção que, analogicamente à relação professor-aluno, também sua relação com os professores e a equipe educacional deveria se ajustar às condições essenciais e necessárias atribuídas a aprendizagem mediada e poderia ser moldada para promover a qualidade e a efetividade de sua prática educacional. Como um líder que aspira atingir os objetivos transcendentes da sua função profissional, o gestor da instituição educacional deveria sempre ter em mente seu papel essencial de guia, de mediador e de fonte de inspiração para seus educadores.
Feuerstein, R., Klein, P. S., & Tannenbaum, A. J. (Eds.). (1991). Mediated Learning Experience (MLE): Theoretical, Psychosocial and Learning Implications. London: Freund.
Feuerstein, R., Rand, Y., & Sasson, D. (1993). La Modification Active: Approche d’Intervention pour le Retard de Performance. In S. Ionescu (Ed.), La Déficience Intellectuelle: Approches et Pratiques de l’Intervention, Dépistage Précoce. Ottawa: Editions Agence d’Arc.
Sasson, D. (1997). EAM et PEI: Le rôle des expériences d’apprentissage médiatisé dans l’application du programme d’enrichissement instrumental de Feuerstein. Thèse de Dheps, Université Lumière Lyon II, Département des pratiques éducatives et sociales.
Sasson, D. (2001). Los componentes del proceso holístico del aprendizaje mediado. In C. F. Albornoz & P. Cesca (Eds.), 10 Congreso latinoamericano de aprendizaje mediado. (pp. 17-63). Buenos Aires: Stella.
Senge, Peter M. (1990). The fifth discipline: the art and practice of the learning organization. New York: Doubleday/Currency.
David Ron Sasson (Israel) é consultor internacional em Educação Cognitiva, Aprendizagem Mediada e Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem. Desde 1998, visita o Brasil duas vezes ao ano para cursos e palestras. (E-mail: davis@insights-rts.net, cdcp.contato@gmail.com)
2 Comments
Muito bom esse curso
Obrigada Vanusia!